domingo, 18 de março de 2012

A arte de Engolir Sapos por Larissa Moutinho


   

 
Carol comemorava a seleção para uma viagem da empresa quando escutou do chefe: “Já que você vai, veja se não volta grávida!”. Sônia esforçava-se além da conta, levando, até mesmo, trabalho para casa. Apesar disso, ainda ouvia de um superior que seu trabalho poderia ser facilmente substituído por estagiários. Existe em comum, nos dois depoimentos, a sensação de derrota e a tristeza de perceber que o mundo, há muito tempo, deixou de ser cor-de-rosa.
A sabedoria popular diz que a estabilidade no emprego depende da capacidade do profissional de engolir sapos. Mas será que é isso mesmo que o mercado procura? Para o professor de comunicação e marketing e palestrante em criatividade aplicada ao crescimento pessoal, Eduardo Zugaib, a resposta é “sim”. “Para ser bem-sucedido naquilo que se pretende, principalmente nesse mundo altamente conectado em que vivemos, é inevitável, uma vez ou outra, engolir um sapinho. A diferença entre ter ou não sucesso está na forma de digestão. Enquanto o primeiro avalia as causas e efeitos e, com humildade e visão, procura reinventar-se, o segundo fica com o sapo entalado na garganta”, explica o professor.
“O sucesso, se pudesse ser colocado em uma fórmula, teria dois conceitos principais: o primeiro é fazer o melhor sempre, e o segundo é justamente transformar dificuldades em oportunidades”, garante Luís Sérgio Lico, professor, filósofo, consultor, escritor, conferencista e especialista em excelência profissional. Ele acredita que engolir sapos nunca foi aconselhável, mas destaca que é importante perceber se o desafio é, de fato, um sapo. “O que é um sapo? É aquilo que você é obrigado a fazer sem querer, contra seus interesses, é humilhação pública – o chamado mico. É o ridículo, o burlesco, uma coisa que afeta a autoestima, o ego”, comenta.
O profissional de comunicação discorda de Lico, pois acredita que engolir sapos é inevitável. Zugaib sugere o autoconhecimento como forma de “temperar o sapo” e, assim, reduzir a tensão que ele acarreta. “Ter conhecimento daquilo que nos altera emocionalmente é um ponto de partida e tanto. Conhecer melhor nosso potencial emocional, com todas as suas qualidades e defeitos, é um grande passo para começarmos a usar melhor nossos sentimentos, trabalhando a compaixão, que é o entendimento da outra parte, mas a nosso favor”, constata.
Portanto, a grande arma contra a sensação vexatória está dentro de cada um. “Se o indivíduo encarar o sapo como um desafio e transformar uma negativa em oportunidade, ele já não será mais algo que diminua a autoestima e poderá se tornar, até mesmo, uma mola propulsora para o sucesso”, acredita Lico. Os dois profissionais enfatizam a importância da resiliência para isso. “É óbvio que esse processo não é algo tão instantâneo assim, do tipo on/off. Ele está ligado a nossa resiliência – nossa capacidade de retornar ao ponto inicial, mesmo depois de levar alguma porrada da vida ou de outras pessoas”, revela Zugaib.
Limites
No entanto, até para engolir sapos – existe limite. “Há um ponto sem volta quando o ‘engolir sapos’ deixa de ser um fator cotidiano e passa a ser uma tortura, uma imposição contínua, correndo o risco, até mesmo, de se transformar em assédio moral”, alerta Zugaib. Nesse caso, “é preciso promover uma análise honesta sobre a real necessidade de se manter o trabalho ou a relação e, percebendo que ela se tornou inviável, tratar logo de criar terrenos mentais, emocionais e financeiros para sua substituição. Hora de trabalhar em dobro: para manter o sapo respirando, enquanto ainda precisamos dele, e também a fim de visualizar novos objetivos e sair em busca deles”.
Lico defende a demissão em casos extremos, mas sugere que o funcionário avalie antes o que considera desrespeito. “Se um colaborador está ouvindo poucas e boas do chefe, é importante que ele pare e pense se está ouvindo isso porque realmente fez um relatório ou algo errado ou se o líder está apenas dizendo tudo aquilo sem motivo e afetando a autoimagem desse funcionário. Existe uma diferença entre o assédio moral e a incompetência pura e simples”, diz.
A hierarquia é outro fator que compromete a percepção do processo de engolir sapos. Para Zugaib, vale a máxima do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. O professor explica que, muitas vezes, o profissional pode encarar como um sapo o que para um líder significa um pedido de ajuda. “Nas equipes de criação em que trabalhei, por diversas vezes me senti obrigado a engolir sapos. Só quando passei a dirigir um grupo, com a responsabilidade em relação ao produto final recaindo apenas sobre meu nome, percebi o quanto cada um daqueles sapos que engoli anteriormente fizeram diferença”, relembra. Por isso, ele afirma: “O sapo que você engole hoje pode ter seu valor percebido meses, anos, chefes e empresas depois”.
Dicas práticas para o extermínio de sapos
O professor Lico ensina como impedir que desgostos prejudiquem sua produtividade e bem-estar:
» Lide com a rejeição e analise seus limites de aceitação – Ao encarar um sapo, teste seu próprio limite diante da situação. Se conseguir transformá-lo em desafio, você crescerá, caso contrário, será envenenado.
» Transforme seu ambiente – Nessa hora, vale lembrar Sartre, que diz: “O importante não é aquilo que o mundo fez com você, mas aquilo que você fez com o que o mundo fez com você”.
» Aja com diplomacia – Lembre-se de que um sapo pode se transformar em uma oportunidade futura.
» Esteja sempre pronto a buscar a oportunidade de melhoria.
» Divida o fardo – Seja tolerante com você mesmo e não tenha vergonha de conversar com os colegas sobre o ocorrido.
Oportunidades iguais, e naturezas diferentes
Uma história que circula na internet traz uma boa reflexão sobre a arte de engolir sapos. Ela conta que, certa vez, uma pessoa fez três experiências: em uma panela colocou cenouras e batatas, em outra, ovos e em uma terceira, café e açúcar. Depois de um certo tempo, ela voltou para observar as panelas e descobriu que a cenoura e a batata, que eram duras, ficaram moles. O ovo, que era mole, ficou duro. E o café com açúcar misturou-se à água e ficou maravilhoso. Os três passaram pelo mesmo processo – água fervente –, mas, devido à natureza de cada um, a reação foi diferente.
Fazendo uma analogia com a questão dos sapos, percebe-se que a dura cenoura foi envenenada pelo sapo, amoleceu e baixou sua autoestima. O ovo, que era delicado, transformou-se numa coisa dura, amargurada. Apenas o café, no ponto máximo da agressão, atreveu-se e modificou a água. E você? Que personagem pretende representar em sua empresa e vida profissional?
Para saber mais:
Eduardo Zugaib – www.eduardozugaib.com.br
Luís Sérgio Lico – www.consultivelabs.com.br


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