sábado, 21 de setembro de 2013

O que dizer do Supremo Tribunal Federal (STF)?



Nada melhor que um Artigo do Dr. Gabriel Costa Ribeiro, Juiz Titular da Comarca de Rondon do Pará, apresentado na Universidad de Buenos Aires - UBA, no ano de 2009, na disciplina Historia del Derecho (História do Direito). Do Prof. Dr. Carlos Ramos.


Como diria um grande sábio de nome “GLAN” só o tempo pra nos dizer se a decisão de hoje foi acertada ou não pelo STF, na revisão das penas dos mensaleiros.
Ao mesmo tempo entraram para história, conspurcando para sempre a memória do hoje denominado Supremo Tribunal Federal, cuja mudança de comportamento e brilhantismo dos vários Ministros que compuseram e compõem atualmente o Excelso Pretório e se revelaram verdadeiros guardiões dos direitos fundamentais, não serão suficientes para apagarem a mácula causada na memória do Tribunal, quando do julgamento, bem como dos resultados da decisão proferida no fatídico dia 17 de junho de 1936”.

A todos simpatizantes da História contemporânea, bom proveito na leitura, rondonsemfrescura recomenda.



Olga Benário Prestes (1908-1942), judia e comunista cujo julgamento manchou a história do Poder Judiciário Brasileiro

INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objetivo apresentar a largos traços em poucas linhas fatos da vida de Olga Benário Prestes, desde o local do seu nascimento e sua motivação a vir morar no Brasil e consequente expulsão pelo governo ditatorial de Getúlio Vargas, como um marco que não deixa de ser, segundo o Ministro Celso de Melo[1], uma “mancha” na história do Supremo Tribunal Federal da Republica Federativa do Brasil, que poderia ter impedido a expulsão e entrega da judia alemã ao governo nazista de Hitler, mas naquele momento histórico não o fez. Serão utilizados como fontes primárias o livro –Olga - A vida de Olga Benário Prestes, judia comunista entregue a Hitler pelo governo Vargas e o Habeas Corpus n. 26.155, impetrado pelo douto advogado Heitor Lima na Corte Suprema dos Estados Unidos do Brasil no dia 3 de junho de 1936, além de artigos e reportagens publicadas.

1. AS PERSONAGENS: OLGA BENÁRIO E LUÍS CARLOS PRESTES

Em 12 de fevereiro de 1908 nascia em Munique Olga Gutmann Benário, filha de Eugénei Gutmann Benário e do advogado Leo Benário, advogado conhecido na cidade e filiado ao Partido Social-Democrata. Eram judeus classe média, e o pai sempre se dedicou às causas trabalhistas dos operários de Munique,  sendo mesmo homem generoso que chegava a atender e patrocinar sem cobrar nenhuma quantia em dinheiro dos que necessitavam de seus serviços, mas não dispunham de condições para remunerá-lo. Desde tenra idade Olga (15 anos) passou a militar ferrenhamente no Movimento Comunista Alemão, tendo em determinada fase da sua vida conhecido o jovem professor comunista Otto Braun - sete anos mais velho - que lhe influenciou nos estudos das obras do marxismo, e motivou sua saída da casa dos pais.
Naquela época, na Alemanha, agravam-se os conflitos sociais, fazendo com que Olga e Otto passem a viver na clandestinidade, lutando por seus ideias de sociedade justa e igualitária, cujo modelo naquele momento personificado como sucesso era o adotado pela então União Soviética. Em 1926 foram presos; Olga ficou detida por dois meses na prisão de Moabit, ao passo que Otto permaneceu preso acusado de “alta traição à pátria”. Entrementes, no ano de 1928, na manhã do dia 11 de abril, a jovem judia de desígnios revolucionários lidera um grupo de militantes armados que invadiram a prisão e de lá libertaram com êxito Otto, sem que qualquer um dos protagonistas envolvidos tivesse sido detido. Tal ação voltou a ira das autoridades alemãs contra a judia, o que fez com que essa na companhia do seu então companheiro mudassem para Moscou, oportunidade em que se dedicou ao estudo de outras línguas, bem como fez cursos para pilotar avião, saltar de para-quedas, cavalgar, atirar com armas leves e pesadas, dedicando-se ao preparo físico para futuras operações comunistas.
É impossível falar de Olga Gutmann sem mencionar sua ligação a Luiz Carlos Prestes, responsável pela vinda ilegalmente da judia alemã ao Brasil.
Luiz Carlos Prestes nasceu em Porto Alegre no dia 3 de janeiro de 1898 e faleceu no Rio de Janeiro no ano de 1990. Em entrevista concedida no ano de 1982 no Rio de Janeiro, ao jornalista Edgard Carone, afirmou ter iniciado seus estudos em escola militar por necessidades familiares, e não por vocação inicial aos desígnios castrenses, uma vez que na academia teria direito a casa, fardamento, comida, entre outras comodidades, o que aliviava sua mãe de ter de manter todos esses gastos com a pequena pensão que recebia. Ao final, Prestes tornou-se oficial e engenheiro, comandando poucos anos depois o movimento nacional denominado “Coluna Prestes” (1924-1927), formado na sua maioria por tenentes e capitães que combatiam a República Velha, fazendo oposição ao governo do então presidente Artur Bernardes, com diversos pleitos revolucionários, dentre eles o voto secreto e a defesa do ensino público.
No ano de 1929, Carlos Prestes, residindo na Argentina, ainda guardava esperanças de que os antigos camaradas tenentes,  companheiros de longas datas lhe acompanhariam na sua busca por seus ideais comunistas revolucionários, o que motivava, além dos seus posicionamentos, também sua oposição ferrenha à candidatura de Getúlio Vargas à Presidência do Brasil. Ainda no ano retrocitado, recebeu em Buenos Aires a visita de Paulo Lacerda e Basbão, que lhe ofereceu a vaga do Partido Comunista à Presidência do Brasil, o que foi recusado, em face da sua fidelidade aos amigos tenentes.
Carlos Prestes, mesmo morando na Argentina, chegou a se dirigir ao Brasil e encontrar com Getulio Vargas e esse tentou de todas as formas obter seu apoio, tenho inclusive lhe enviado, após o encontro, a quantia de 800 (oitocentos) contos de réis, tendo o dinheiro sido doado por Prestes ao Bureau do Secretário Latino-americano para a Internacional Comunista como contribuição para a América Latina. Segundo Prestes, o dinheiro tinha a clara intenção de lhe cooptar, o que não ocorreu, mas decidiu que não iria devolver a soma recebida, uma vez que essa era proveniente de desvio de dinheiro do povo brasileiro, tendo sido dada a destinação retrocitada.
Em 1931, influenciado por Trotsky, Luiz Carlos Prestes embarcou no navio Eubée com destino final sendo Moscou, local em que trabalhou como engenheiro. No ano de 1933, o nazista Hitler tomou posse na Alemanha de Weimar, o que contribuiu para que Prestes decidisse voltar ao Brasil clandestinamente, no ano de 1934, utilizando-se de documentos falsos, uma vez que tudo deveria ocorrer à sorrelfa do governo ditatorial de Getúlio Vargas, e no seus país Prestes teria como missão realizar a revolução comunista local.
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2. O ENCONTRO DAS PERSONAGENS E SUAS IMPLICAÇÕES HISTÓRICAS

O destino cruzou a vida de Olga Benário e Luis Carlos Prestes quando esses se conheceram na União Soviética e, após um inicial simulacro de casamento, ela tinha a incumbência de zelar da higidez física do líder político Prestes quando do seu retorno ao Brasil, uma vez que sua prisão já estava, naquele momento, decretada pelo regime ditatorial brasileiro, incumbência essa que lhe foi atribuída pela Internacional Comunista: “Sua viagem com Prestes foi para ela mais uma tarefa a cumprir em prol da revolução mundial, de acordo com o célebre apelo do Manifesto Comunista de Marx e Engels: ‘Proletários de todos os países, uni-vos!’ [2]”.
“Uma militante com grande experiência de trabalho clandestino veio comigo ao Brasil, era Olga. Nós casamos e ela veio comigo.” [3], assim verberou Prestes, sendo que para chegar ao Brasil primeiro foram para os Estados Unidos, depois Chile, Buenos Aires, Montevidéu, até chegarem em Florianópolis, já no Brasil, de onde foram para São Paulo e finalmente o Rio de Janeiro.
Entretanto, o que era para ser mais uma missão de Olga em nome do comunismo, passa a ser o grande amor da sua vida. O casamento que ocorreu no início, apenas de forma simulada, passa a ser realidade e além de ser responsável pela segurança pessoal do líder comunista brasileiro, também passa a ser o grande amor de sua vida, conforme se constata nas várias cartas escritas pelo casal, cujo amor, vidas e trágica separação tornaram-se históricas, não só pela certeza impoluta de objetivos, pela truculência de ações como também pelo macabro final envolvendo os protagonistas dessa história.
No ano de 1936, Prestes e Olga Benário são presos na cidade do Rio de Janeiro e definitivamente separados, nunca mais se viram desde a prisão, cuja vida e sofrimento individuais marcaram a história dos Poderes constituídos da nação.
Segundo o escritor Fernando Morais,  a real identidade da prisioneira Maria Prestes, divulgada pela mídia de então, na verdade se tratava da judia alemã Olga Gutmann Benário, procurada pela polícia alemã desde a época da invasão armada da prisão de Moabit, de onde o grupo chefiado por Olga resgatou o professor e preso alemão Otto, cuja acusação era de ser preso extremante perigoso, acusado pelo Governo local de “alta traição à pátria”. Logo após o resgate do então companheiro, várias recompensas foram oferecidas para quem desse informações que levassem à prisão de Olga Benário, sendo que essa também passou a ser acusada pelo mesmo crime, ou seja, “alta traição à pátria”.
Entretanto, para o alto escalão do Governo Getúlio Vargas, a identidade real da esposa de Prestes foi facilmente descoberta, uma vez que a polícia secreta nazista mantinha estreito relacionamento com membros da embaixada brasileira e essa informou ao corpo diplomático do Brasil na Alemanha a identidade real de Olga. O Embaixador brasileiro na Alemanha, José Joaquim Moniz, em correspondência “confidencial” repassou dados sigilosos da Gestapo ao Chanceler José Carlos de Marcedo Soares, ou seja, a verdadeira identidade de Maria Prestes, que se afirmava brasileira em seus interrogatórios ocorridos no Brasil no período em que foi presa, para Vargas não era questão de dúvidas, ou seja, o regime ditatorial brasileiro havia detido uma judia fugitiva alemã, Olga Gutmann Benário, que para os alemães era foragida extremamente perigosa ao regime nazista implantado na Europa pelo ditador Hitler, cujo repatriamento interessava tanto ao governo alemão, bem como pessoalmente ao Presidente Getúlio Vargas, que tinha nesse pormenor uma forma de malferir Carlos Prestes, retribuindo-lhe toda a oposição até então feita com ideais comunistas ao então governo nacional e punindo-o por não ter se tornado mais um dos aliados nas diversas vezes em que lhe havia sido oferecida a oportunidade de unir forças aos objetivos totalitaristas de Vargas.

3. O “HABEAS CORPUS” EM FAVOR DE OLGA BENÁRIO

Em 3 de junho de 1936, quando Olga Benário Prestes já estava grávida de quatro meses, o douto advogado Heitor Lima - após receber a incumbência de fazer a defesa judicial de judia alemã - impetrou um Habeas Corpus na Corte Suprema dos Estados Unidos do Brasil postulando pela concessão da ordem. O Habeas Corpus n. 26.155 tinha uma particularidade muito interessante, qual seja: o pedido do writ não era para que Olga fosse colocada em liberdade, ao contrário, pois postulava a concessão da ordem para a manutenção da sua prisão, objetivando que continuasse presa e processa da no Brasil pelos crimes pelos quais estava sendo acusada no Brasil e teriam motivado sua prisão em território nacional até aquele momento, indo de encontro ao ato do Ministro da Justiça que determinava sua expulsão, com a consequente entrega ao nazismo alemão.
Por ser historicamente relevante, passo a transcrever literalmente trechos da petição inicial do Habeas Corpus 26.155, mantendo a grafia da época:
O advogado Heitor Lima vem impetrar habeas-corpus a favor de Maria Prestes, presa á disposição do sr. Ministro da Justiça para ser expulsa do território nacional.
A paciente foi recolhida ha mezes á Casa de Detenção, onde ainda continua na mais rigorosa incomunicabilidade, sob a acusação de que participara, directa e indirectamente, nos graves acontecimentos de novembro ultimo. A Ella attribuem-se graves actos e factos que, a serem verdadeiros, determinariam necessariamente a sua condenação como autora intelectual e cúmplice em vários delictos contra a ordem política e social.
Ora, dentro das nossas fronteiras a ninguém é livre fugir á acção da soberania nacional, salvas as disposições dos tratados e as regras do direito das gentes. A lei penal é applicavel a todos os individuos, sem distincção de nacionalidade, que, em território brasileiro, praticaram factos criminosos e puniveis. A União, sem duvida, expulsará os estrangeiros perigosos á ordem publica ou nocivos aos interesses do paiz; mas não há –de a expulsão assumir o caracter de burla às nossas leis penaes, nem terá o aspecto de premio ao alienígena que, abusando da nossa hospitalidade, aqui delinque, e ,  repatriado, vae livremente viver onde quizer.
      Se o estrangeiro, sem infrigir determinada disposição de lei,exerce entretanto actividade nociva à ordem publica ou à segurança nacional, tem o estado o direito de expulsal-o . As mais desastrosas consequências adviram se a autoridade esperasse que o forasteiro perigoso à  ordem publica delinqüisse , para só então contra elle proceder. A lei  não diz os criminosos serão expulsos; diz que serão processados e punidos. Mas o estado ver-se- ia impotentes para prover a propria defesa, se não pudesse eliminar o estrangeiro não criminoso, e entretanto nocivo aos interesses do paiz. De que modo se defende o Estado? Recorrendo ao instituto da expulsão.  O  estrangeiro não delinqüente,mas nocivo,  será arremessado além das fronteiras.     
“Em que situação se encontra a paciente, e em face della o Estado? Maria Prestes foi presa como delinqüente, indiciada em factos punidos com grande rigor. A policia, ou o Ministerio da justiça, a que é subordinada, não faz mysterio de que contra a paciente colligiu elementos de suma importância, e tem como certa a sua condemnação. Se a policia não exagera, também esta é a convicção do impetrante: Maria Prestes  será condemnada por que autoridade? Pela única  investida das funcções de julgar: a autoridade judiciária. Que  pretende, porém, o Ministério da Justiça?  Dispõe –se a remeter os autos do inquérito ao juízo competente? Não . pretendi dar à paciente , como premio aos delictos que lhe atribue, a liberdade sob a forma de expulsão.
         Se a paciente fosse apenas um elemento nocivo, mas nuca houvesse delinqüido, a expulsão já não  seria premio à  agitadora, mas acto de legitima defesa do Estado: não tendo base para condemnal-la, mas não convindo ao interesse publico a sua permanência em território nacional, o Estado eliminal-a –ia pela expulsão. O Governo, porém, afirma que a paciente é co- autora intellectual e cúmplice em vários crimes, apurados em inquérito rigoroso; não é licito, pois, subtrail-a ao gladioda justiça. Não  pode a policia arreabatar aos tribunaes a competenicia, que só elles têm, de julgar criminosos. No correr desta exposição o impetrante explicará por que a paciente prefere viver condemnada no Brasil a viver livre em qualquer outra parte do mundo.
         Não há duvida, assim de que a Maria Prestes, acusada de participação em graves delictos contra a ordem política e social, está devendo contas à justiça punitiva. Não pode, pois, ser expulsa. Primeiro irá a julgamento; se o remate do processo for a condemnação , cumprirá a pena. Depois, se o executivo apurar que Ella, sem praticar novos criem, se terá constituído em elemento nocivo à segurança nacional expulssal-a-à para sempre.
          A paciente impetra habeas-corpus, não  para ser posta em liberdade; não para neutralizar o constrangimento de qualquer processo; não para fugir ao julgamento dos seus actos pelo judiciário: mas, ao contrario , impetra habeas- corpus para não ser ser posta em liberdade; para continuar sujeita ao constrangimento do processo que contra Ella se prepara na policia; para ser submetida a julgamento perante os tribunaes brasileiros. Em suma: o habeas- corpus  é impetrado afim de que a paciente não seja expulsa.
    Alem disso, a expulsão teria ainda outra fase de illegalidade, que, nem por ser implícita, seria menos estridente. O decreto de expulsão alludira apenas à paciente Maria Prestes; mas realmente dois são os expulsandos, dois seriam os expulsos: Maria Prestes traz no seio, com quatro mezes de gestação, o fruto do seu amor apaixonado, tormentoso, inexhaurível e cego por Luiz Carlos Prestes.
       Há um ente gerado no Brasil, e que seria atingido iniquamente pelo decreto de expulsão. Apezar de não ter ainda vindo à luz, nem assim essa vida em embryão escapa aos cuidados e à protecção da lei. O nosso direito é nas suas linhas geraes o romano, e a Roma, sempre que se tratava dos interesses do nascituro, considerava-o  como se já houvesse nascido. A creança simplesmente concebida adquiria todos os direitos que lhe tocariam se tivesse visto o dia no momento em que esse direitos lhe coubessem por sorte (Mackldey, § 121).”
        O direito nacional manteve a tradicção romana. A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (Codigo Civil, art. 4º). Muitas são as situações em que o nascituro se apresenta como pessoa, em nosso direito: apenas concebido, pode o filho ser legitimado; o reconhecimento do filho pode dar-se no período da gestação; ao nascituro pode ser deferida curatela; a pessoa apenas concebida pode adquirir por testamento . por sua vez, a lei penal protege a pessoa desde a concepção; o aborto, que é a expulsão prematura do feto, provocada com intenção criminosa em qualquer época da vida uterina, constitue uma das especies do gênero homicidio, punida com a pena de dois a seis annos  de prisão cellular. Mas se o feticidio é uma espécie do gênero homicídio, segue-se a lei penal opera uma verdadeira antecipação da personalidade, quando pune os provocadores de aborto.
       Assim, tanto o Codigo Civil como o Penal consideram em muitos casos o fructo da concepção como pessoa, mesmo antes do parto. Relativamente a expulsão da mulher gestante, a lei nada esclarece. Segue-se dahi que os tribunaes devam interpretar o silencio da lei contra a acusada? A Constituição determina que o juiz, em caso de omissão na lei, decidirá por analogia, pelos princípios geraes de direito, ou por equidade.
      Se a lei considera na gestante duas pessoas distinctas, a mãe e o nascituro;se a Constituição estatue que nenhuma pena passará da pessoa do delinquente ( art.113, nº 28); se a expulsão é uma pena; se tal pena alcançará em seus effeitos o filho da expulsanda, embora ainda não nascido: segue-se que o decreto de expulsão, além de ferir o preceito constitucional protector da maternidade, offende ainda o principio da personalidade da pena.
        A existencia jurídica da crença ainda nascida, affirmada no direito civil e epnal pátrio de modo insophismavel, é argumento tirado principalmente do facto de dar a lei um curador ao nascituro, na hypothese de fallecer o pae, e não ter mulher o patrio poder. E claro que, se vivos estão pae e mãe, ou se morto o pae, a mãe conserva o patrio poder, fala aquelle, ou fala esta, em nome do nascituro, para protestar contra uma expulsão que o attingirá, como se um decreto penal pudesse passar da pessoa do accusado.
        Maria Prestes sustenta que seu filho é brasileiro, foi concebido no Brasil, quer nascer e viver no Brasil. Como brasileiro, tem direito de não ser expulso do Brasil. o insigne Planiol ensina que “a personalidade antecipada reconhecida à creança pode ainda produzir effeitos uteis quando se trata da aquisição de uma nova nacionalidade” ( Dr.Ciy. I , nº 367). A paciente affirma a reaffirma que a nacionalidade de seu filho é a brasileira. Se o decreto de expulsão o attingisse, seria uma diminuição media de cabeça, uma pena applicada a quem não cometteu crime.”
        Em amparo da paciente vem ainda a Carta Magna. A gestante é ahi objecto de extrema solicitude. Nos termos do art.141, “é obrigatório,  em todo  o território nacional, o amparo a maternidade e à infância, para o que a União, os Estados e os Municipios destinarão um por cento das respectivas rendas tributarias”. A expulsão neste período delicado para a vida da gestante e do feto, a deslocação, sem destino certo, de uma mulher em tal situação, reduzida ao extremo grau da pobreza, equivaleria ao mais efficaz concurso para  matal-a . O decreto de expulsão contra Maria Prestes será a sentença de morte proferida ao mesmo tempo contra  a mãe e o filho. Mas não só no Brasil não há pena de morte contra as mães, como até muito ao contrário, a Lei primária, assimilando as  máximas conquistas da civilização, colloca sob a tutela do Estado à maternidade. Como conciliar  o texto constitucional, expulsão, que equivaleria agora ao sacrifício da maternidade? Sobre todas deve primar a lei que traduz um principio de humanidade.
        “A paciente não quer mais deixar o Brasil. Grandes revoluções Moraes operam-se no coração de Maria Prestes. Dir-se-ia que, preparando-se para a maternidade, um novo mundo se elabora dentro da sua alma e novos horizontes se rasgam às suas aspirações. O modo como allude ao advento do ser que alimenta dentro de si com o próprio sangue, e fará viver pelo amor, prenunicia radicaes transformações na sua conduta futura. A  maternidade vae mudar completamente a sua concepção da existência, da sociedade e do universo.”
        Quando Maria Prestes fala no filho, os seus olhos ganham um brilho humido e amplo, e a sua belleza desfeita, os traços prematuramente deformados pela fadiga, pelas lagrimas, pelas privações e pela saudade parecem reflectir uma anciã infinita de paz; alenta-a a suprema esperança de reintegrar-se no verdadeiro papel d a mulher, o sonho de um lar tranquillo, no qual passa Ella afinal sentir que é  uma força da creação, porque é uma força cradora.  Neste momento deve Maria Prestes estar definitivamente convencida de que, fora do amor, da ternura e do devotmento, nada vale a mulher.
        “O Snr. Getulio Vargas tem mostrado, como chefe do governo, surprehendentes defeitos. Fallece-lhe a visão do conjuncto, reveladora do estadista, e o próprio sentido das realidades manifesta-se nelle fragmentariamente. Aos panoramas totaes não se accomodam as pupilas do seu espírito, que  maneja as parcellas sem chegar à soma. Entretanto , se não deve aspirar ao titulo de homem de Estado, pode reivinidicar, como homem de governo, méritos notáveis, que o collocam muito acima da mediania, da mediocridade, da chatice política brasileira.
         A especialidade do Snr.Getulio Vargas é o dom de dispor e coordenar os detalhes. Seria preciso, para isso, que elle jogasse com dois factores: o governo de si mesmo, e o conhecimento dos homens. Ahi está, precisamente, o segredo do seu êxito, mantendo-se no trapézio, em equilíbrio instável, quando todo o circulo já se desmantelou. O que lhe falta em cultura sobre-lhe em inteligência, e a intuição empresta-lhe todas as capacidades. Acerta menos por clarividência que por instincto, e sabe com tamanha habilidade suscultar as cousas e esbater as arestas, que a generosidade soffre as conseqüências dos seus erros sem conseguir indentifical-os, taes  as nuances em que se adelgaçam, perceptíveis apenas pelos mais argutos, quer dizer, por uma minoria reduzida.
       O que, porém, o recomenda ao respeito dos seus concidadãos, e, ao lado de uma probidade modelar, o espírito de larga tolerância, o amor à liberdade, a coragem cívica e o primor da sua conducta na vida privada. Observadores superficiaes têm-no tachado de insensível, quando elle, pelo horror  à declamação, à emphase e aos gastos theatraes, nada faz senão dominar-se, conservando sempre a elegância das atitudes, fácil nas phases tranquillas da existência, mas difícil nos transes de dor o sobresalto.”
        “No mais intimo dos seus círculos, que é o da família, actua pela persuasão e pela brandura, deixando a cada um o maximo possível de iniciativa, não se fazendo temer porque sabe  que na base da educação está o afecto e não o terror, deixando que os espíritos se expandam no sentido das vocações  respectivas, preparando com cuidado aquelles que  delle directamente dependem, e que deseja lançar à luta aptos para vencerem.
       Com essas finas qualidades de sentimento, está o impetrante certo de que, se o Snr. Getulio Vargas tivesse conhecimento da situação de Maria Prestes no cárcere, ordenaria providencias immediatas para que se modificasse o regimen deshumano a que está submetida, sem qualquer vantagem para a ordem publica e a segurança nacional. A impropriedade e a deficiência da alimentação; falta de cuidados hygienicos, tanto mais indispensáveis quanto se trata de uma gestante; a intredicção de qualquer leitura, seja livro ou jornal, o que constitue verdadeiro martyrio para uma mulher de intelligencia cultivada – todas essas e outras mortificações já reduziram doze kilos no peso de Maria Prestes. Não constituirá isso uma criminosa provocação de aborto?
        Não é crível que essas monstruosidades correm por conta do Dr. Aloysio Neiva, director do estabelecimento. Quem conhece o seu o seu coração compassivo não lhe fará a injuria de responsabilizal-o por um aborto criminoso na casa de detenção. Quando, no recesso do seu lar feliz, dispuzer de um minuto para pensar nas desditas alheias, recorde-se o Dr. Aloysio Neiva de que, arrastada pela ambição dos homens, instrumento de paixões masculinas, a poucos passos soffre uma mulher, cuja vida se concentra hoje na vida do ser cujo coração já palpita no fundo do seu ser, e que tem direito a um duplo respeito: o devido à mulher que vai ser mãe, e o devido `a mais infeliz das mães. Como advogado de Maria Prestes, o impetrante tinha de mencionar taes factos nesta petição.
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Se o habeas-corpus for concedido, que succederá? Presa e incomunicavel continuará a paciente. Prosseguirá o inquerito no qual a policia vê fortes elementos para a condemnação. O poder judiciario, tomando conhecimento das provas que a policia affirma irrefragaveis contra a paciente, condemnal-a-á. Ficará assim Maria Prestes reduzida á condição de nada fazer de nocivo á ordem publica. Mas, embora presa e condemnada, muito poderá fazer de útil, como esposa e mãe.
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Requer, pois, o impetrante que esta Egregia Corte Suprema:
1° - Determine que o presente pedido se processe sem custas.
2° - Solicite do Snr. Ministro da Justiça informações sobre o allegado neste requerimento, do qual se lhe remetterá copia.
3° - Requisite os autos do processo de expulsão.
4° - Ordene o comparecimento da paciente para a sessão de julgamento.
5° - Faça submetter a paciente a uma perícia medica, no sentido de precisar o seu estado de gravidez.
6° - Solicite que o Snr. Chefe de Policia informe se, no inquerito a que, juntamente com Luiz Carlos  Prestes, responde a paciente, é Maria Prestes accusada de vários delictos contra a ordem politica e social.
1° - Conceda afinal a ordem de habeas-corpus, afim de que a paciente não seja expulsa do territorio nacional, sem prejuízo do processo ou processos a que esteja respondendo ou venha a responder. Rio de Janeiro, 3 de Junho de 1936. O advogado, Heitor Lima.” (petição inicial do habeas corpus 26.155, fls. 02/12) 
  
Na petição inicial o douto advogado Heitor Lima, justifica o não recolhimento das hoje nominadas custas processuais nos seguintes termos:
A presente petição não vae sellada, nem devidamente instruída, porque a paciente se encontra absolutamente desprovida de recursos. O vestido que traz hoje é o mesmo que usava quando foi presa; e o pouco dinheiro, os valores e as roupas que a policia apprehendeu na sua residencia até hoje não lhe foram restituídos... ... 2° - Determine que o presente pedido se processe sem custas.
O então Ministro Relator, no rosto da primeira página da petição inicial, a mão despachou: “Pague o selo devido e volte, querendo.”
Advogado extremamente preparado, que além de tudo demonstrava conhecimento jurídico e polidez no trato profissional e diante do estado de miserabilidade da paciente Olga Benário e as implicações jurídicas que o não pagamento do “selo” traria para a pretensão da paciente, mesmo que remota a possibilidade de concessão da ordem, Heitor Limia, em 4 de junho de 1936, antecipando-se ao legado de vergonha que às gerações futuras sofreriam com as consequências do não cumprimento daquela ordem judicial, além do dano à própria história do Poder Judiciário do Brasil, peticionou nos autos, cuja indignação é subliminar, a título de “RÉPLICA”, momento em que verberou de forma firme:

“Se a justiça masculina, mesmo quando exercida por uma consciência do mais fino quilate, como o insigne presidente da Côrte Suprema, tolhe a defesa a uma encarcerada sem recursos, não há de a história da civilização brasileira recolher em seus annaes judiciários o registro desta nodôa; a condennação de uma mulher, sem que a seu favor se elevasse a voz de um homem no Palacio da Lei. O impetrante satisfará as despesas do precesso. Rio de Janeiro, 4 de junho de 1936. Heitor Lima.” (fls. 13 do HC n. 26.155)

3.1 Do direito à vida e sua proteção constitucional

Antes de se continuar, é necessário tecer alguns comentários sobre o direito à vida, considerado direito fundamental de primeira geração pela Constituição Federal de 1988. Como se percebe a busca ao Poder Judiciário no caso em análise se deu em 1936. Portanto já numa fase posterior ao surgimento positivado de direitos fundamentais, com vida e liberdade, uma vez que o direito à vida apareceu positivado em 1215 na Inglaterra, com a promulgação da Magna Charta Libertatum, em que o Poder do Soberano sofreu severas limitações, servindo de exemplo para as gerações e constituições futuras, instituindo-se que há direitos humanos inerentes à dignidade e respeito ao ser humano que devem ser inexoravelmente preservados, e que estes devem ser respeitados por todos, súditos ou soberanos.
Some-se a isso a Revolução Francesa de 1789 em que novamente o poder do Soberano sofre diversas limitações, novamente com realce à garantia e respeito a direitos humanos.
Por fim não se pode deixar de falar na função criadora hermenêutica do Poder Judiciário materializada também no emblemático caso de atuação da Corte Suprema americana, em 1803, no julgamento do caso Marbury x Madison,  e valeu-se de interpretação inovadora, marcando sua atuação firme e cônscia de realmente ser efetivamente Poder ao qual todos estão sujeitos, servindo de legado para gerações jurídicas futuras, uma vez que no julgamento retrocitado restou consignada a Supremacia da Constituição sobre os demais Poderes do Estado, bem como que a prerrogativa de interpretar a Carta Magna compete ao Poder Judiciário, e a este caberá dizer no caso concreto o que está ou não em sintonia com Lei maior[4].


3.2 O resultado do habeas corpus de Olga Benário

Enfim, voltando ao Caso Olga Benário, a Suprema Corte brasileira, ao analisar o caso no dia 17 de junho de 1936, por maioria de votos, não conheceu do Habeas Corpus n. 26.155, impetrado pelo advogado Heitor Lima em favor de Olga Benário Prestes. Dois Ministros (Carlos Maximiliano e Eduardo Espínola) votaram pelo conhecimento, mas denegação da ordem.
O acórdão retrocitado, ficou decidido nos seguintes termos:

A Corte Suprema, indeferindo não somente a requisição dos autos do respectivo processo administrativo, como também o comparecimento da paciente e bem assim a perícia médica a fim de constatar o seu alegado estado de gravidez, e atendendo a que a mesma paciente é estrangeira e a sua permanência no país compromete a segurança nacional, conforme de depreende das informações prestadas pelo Exmo. Sr. Ministro da Justiça.
Atendendo que em tais casos não há como invocar a garantia constitucional do habeas corpus, à vista do disposto no art. 2 do Decreto n. 702, de 21 de março deste ano:
Acordam por maioria, não tomar conhecimento do pedido. Custas pelo impetrante.”

A decisão da Corte Suprema no caso Olga Benário Prestes significou, não obstante a todos os judiciosos argumentos, protetores da vida e dignidade humana, utilizados pelo advogado Heitor Lima, quer quanto ao estado avançado de gravidez ou quanto ao risco de morte, tanto da impetrante quanto do filho que esperava, repita-se numa verdadeira violação à dignidade humana, uma vez que ao não conhecerem do habeas corpus, a Corte se omitiu na proteção do maior bem humano que é a vida, cedendo aos desígnios espúrios de Vargas que, vingando-se do opositor Carlos Prestes, expulsou Olga Benário do Brasil e o Poder Judiciário, pelos seus Ministros integrantes da época, assinaram uma verdadeira sentença de morte.
Quando da impetração do Habeas Corpus, 3 de junho de 1936, Olga Benário Prestes já estava no quarto mês de gestação. Temendo que ela fosse resgatada de um navio que transportasse passageiros e fizesse parada em qualquer outro porto diverso dos alemães, como já havia ocorrido em outros casos, o que frustraria a intenção macabra de Vargas, a expulsão de Olga se prorrogava por meses, mesmo estando sepultadas todas suas esperanças de ver seu direito à vida ou dignidade quanto à sua gestação serem garantidos pelo Poder Judiciário da época.
O advogado Heitor Lima, chegou a escrever uma carta à esposa de Getúlio Vargas, na esperança de sensibilizá-la para as condições de Olga Benário, mas nada surtiu efeito, uma vez que não houve qualquer resposta.
 A macabra vingança de Getúlio Vargas, coordenada de perto pelo capitão Filinto Muller começou a se executar no dia 23 de setembro, quando Olga Benário já estava no sétimo mês de gravidez, posto que nesse dia o Navio La Coruña atracaria no porto com única finalidade, levar nos seus porões, visto de tratar de navio cargueiro, o “presente” de Getúlio Vargas à Hitler, ou seja, Olga Prestes.
A situação da gravidez de Olga era algo preocupante, aos olhos do homem normal, ao ponto que “quando foi informado de que a gravidez de Olga estava adiantada, o capitão do navio invocou as leis internacionais de navegação, que não permitiam a viagem de uma mulher naquele estado. Ainda assim, viu-se obrigado a levá-la. A deportação de Olga foi um ato de vingança pessoal de Vargas e de seu chefe de polícia, Filinto  Muller, contra um adversário político”. [5]
Ao que tudo indica, já era de conhecimento público a condição de Olga Prestes ser comunista e judia e que a pena de morte seria algo inevitável ao ser entregue ao governo nazista de Hitler, o escritor Fernando Morais, em seu livro Olga, ao escrever sobre o momento exato em que a prisioneira estava retirada da prisão para ser levada para o embarque no Navio La Coruña, e as várias manifestações que ocorreram na prisão no momento em que os policiais disseram para que Olga os acompanhasse, sob o dissimulado argumento de que essa seria levada para uma maternidade com melhores condições de acompanhar seu avançado estado de gravidez, todos os presos se revoltaram, protestaram, gritaram, atiram pedaços de sapatos nos policiais, gritaram palavras de ordem, mesmo sendo conscientes de que em nada adiantaria, pois no fundo todos eles sabiam que naquele momento começaria a execução da pena de morte imposta a alemã e judia. “Um único preso não participada daquilo. Encolhido sobre a cama, acendendo um cigarro no resto do anterior, Graciliano Ramos parecia que iria mesmo enlouquecer. Olhando fixo para o chão, com a cabeça presa entre as mãos, ele repetia, paralisado, com a voz quase inaudível no meio daquele inferno: Não é verdade que queiram fazer isto... Para a Alemanha de Hitler? Ela é judia... Ela está grávida... O Brasil não pode fazer isso com ela... [6]
Já na Alemanha, em novembro de 1936, Olga Benário deu a luz de sua filha Anita Leocádia, na prisão de Barnimstrasse, sendo que a criança ficou na sua companhia até os 14 meses de idade. Em abril de 1942, junto com outras prisioneiras marcadas para a morte, Olga foi transferida para o campo de concentração de Bernburg[7], local em que morreu como milhares de outros judeus vítimas do sentimento atroz do mendaz Hitler, cujos ideais a sociedade mundial repudiará por todos os tempos.
Graças a movimentação feita pela avó materna da criança, Leocádia Prestes, várias delegações estrangeiras pressionaram a Gestapo, polícia do Regime nazista de Hitler, obtendo como resultado a vida da neta, Anita Leocádia que, por ser filha de Carlos Prestes, um brasileiro, posteriormente lhe foi entregue com vida pelos alemães.
Sobre o fim trágico de Olga Bernardes Prestes, Jô Moraes resume o assunto nos seguintes termos: “A consciência brasileira jamais perdoará o que o governo Vargas fez com Olga grávida e com Elise, entregando-as à Gestapo para morrer. [8]

CONCLUSÃO

Conclui-se que a “Côrte Suprema da República Federativa do Brasil” de 1936, poderia ter entrado para história de todas as nações, tornando-se à época um referencial de senso de justiça, consciência da sua importância enquanto mais alta cúpula do Poder Judiciário nacional e protetora vigilante dos direitos da pessoa humana, impedindo a morte de Olga Benário Prestes, ou, na pior das hipóteses, garantindo-se dignidade humana a uma mulher grávida de um brasileiro, o Capitão Carlos Prestes, que aos sete meses de gravidez foi embarcada, com morte certa e predestinada, a um campo de concentração nazista, em um porão insalubre de um navio cargueiro, mas não o fez.
Faltou aos Ministros que compunham a Corte na época do julgamento do Habeas Corpus a coragem e compromisso com a efetivação de direitos humanos fundamentais de primeira geração já positivados em 1215 na Magna Cartha Libertatum, postura essa belicosamente ostentada por muitos outros Ministros do Supremo que os sucederam.
Faltou-lhes ainda a coragem tida pelos Ministros da Suprema Corte Americana quando do Julgamento do caso Marbury x Madison.
Em um ou outro dos casos retrocitados (Olga Benário e Marbury x Madison), ambas as Cortes Supremas escreveram seus nomes na história por conta das decisões proferidas naquele momento histórico; a Corte Americana, revelou-se inovadora e preocupada com os casos judiciais e garantias fundamentais aos seus jurisdicionados, sendo, portanto marco do surgimento do controle de constitucionalidade, ao passo que a Corte Suprema do Brasil, em 1936, presida pelo então Ministro Edmundo Lins, com a postura não independente e omissa adotada por suas excelências quando do julgamento do HC. 26.155, avalizaram a pena de morte e reduziram a dignidade humana de uma mulher grávida de 4 meses, chancelando-se assim uma vingança pessoal de Getúlio Vargas e do Chefe de Polícia Filinto Müller, manchando para sempre a história daquela Corte, conforme afirmação feita em 1998 pelo então Presidente do STF, Ministro Celso de Melo.
Ao mesmo tempo entraram para história, conspurcando para sempre a memória do hoje denominado Supremo Tribunal Federal, cuja mudança de comportamento e brilhantismo dos vários Ministros que compuseram e compõem atualmente o Excelso Pretório e se revelaram verdadeiros guardiões dos direitos fundamentais, não serão suficientes para apagarem a mácula causada na memória do Tribunal, quando do julgamento, bem como dos resultados da decisão proferida no fatídico dia 17 de junho de 1936.
A conclusão a que se chega, é que o douto advogado Heitor Lima já previa o que se sucederia ao afirmar que:  “Se a justiça masculina, mesmo quando exercida por uma consciência do mais fino quilate, como o insigne presidente da Côrte Suprema, tolhe a defesa a uma encarcerada sem recursos, não há de a história da civilização brasileira recolher em seus annaes judiciários o registro desta nodôa; a condennação de uma mulher, sem que a seu favor se elevasse a voz de um homem no Palacio da Lei”.



BIBLIOGRAFIA

LIMA, João Gabriel. Memórias do Cárcere. Veja. São Paulo: Abril, 2001. Ano 34, n° 6,


MELLO, Celso de. Caso de Olga Benário é uma mancha no passado. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. A-12, 8 mar.1998.


MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.


MORAIS, Fernando. Olga. 13. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.


Olga: revolucionária, sem perder a ternura. Princípios. n. 75 São Paulo, 2004.


PRESTES, Luís Carlos. Entrevista a Edgard Carone. Novos Rumos. Ano 15, n. 33. 2000, p. 23.


[1] Informações extraídas de “Caso de Olga Benário é uma mancha no passado”. In: Jornal Estado de São Paulo, São Paulo, p. A 12, 8 de Março de 1998.
[2] Informações extraídas de “Olga: revolucionária, sem perder a ternura”. In: Revista Princípios, São Paulo, p. 69.
[3] Informações extraídas de “Luís Carlos Prestes - em entrevista a Edgard Carone”. In: Revista Novos Rumos. Ano 15, n° 33 - 2000, p. 23.

[4] Cf. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002. p.582.
[5] Informações extraídas de “Memórias do Cárcere” - em matéria de “João Gabriel de Lima”. In: Revista Veja. Ano 34, n° 6 - 2001, p. 114.

[6] Cf. MORAES, Fernando. Olga - A vida de Olga Benário Prestes, judia comunista entregue a Hitler pelo governo Vargas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p.178.
[7] Informações extraídas de “Olga: revolucionária, sem perder a ternura” - em matéria de “Anita Leocádia Prestes”. In: Revista Princípios. 75/2004, p. 71.
[8] Informações extraídas de “Olga: revolucionária, sem perder a ternura” - em matéria de “Jô Moraes”. In: Revista Princípios. 75/2004, p. 76.

 

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