Nada melhor que um Artigo
do Dr. Gabriel Costa Ribeiro, Juiz Titular da Comarca de Rondon do Pará, apresentado
na Universidad de Buenos Aires - UBA,
no ano de 2009, na disciplina
Historia del Derecho (História do Direito). Do Prof. Dr. Carlos Ramos.
Como diria um grande sábio de nome “GLAN”
só o tempo pra nos dizer se a decisão de hoje foi acertada ou não pelo STF, na revisão
das penas dos mensaleiros.
“Ao mesmo tempo entraram para história, conspurcando para sempre a
memória do hoje denominado Supremo Tribunal Federal, cuja mudança de
comportamento e brilhantismo dos vários Ministros que compuseram e compõem
atualmente o Excelso Pretório e se revelaram verdadeiros guardiões dos direitos
fundamentais, não serão suficientes para apagarem a mácula causada na memória
do Tribunal, quando do julgamento, bem como dos resultados da decisão proferida
no fatídico dia 17 de junho de 1936”.
A todos simpatizantes da História contemporânea, bom
proveito na leitura, rondonsemfrescura recomenda.
Olga Benário
Prestes (1908-1942), judia e comunista cujo julgamento manchou a história do
Poder Judiciário Brasileiro
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo apresentar a
largos traços em poucas linhas fatos da vida de Olga Benário Prestes, desde o
local do seu nascimento e sua motivação a vir morar no Brasil e consequente
expulsão pelo governo ditatorial de Getúlio Vargas, como um marco que não deixa
de ser, segundo o Ministro Celso de Melo[1],
uma “mancha” na história do Supremo Tribunal Federal da Republica Federativa do
Brasil, que poderia ter impedido a expulsão e entrega da judia alemã ao governo
nazista de Hitler, mas naquele momento histórico não o fez. Serão utilizados
como fontes primárias o livro –Olga - A vida de Olga Benário Prestes, judia
comunista entregue a Hitler pelo governo Vargas e o Habeas Corpus n. 26.155,
impetrado pelo douto advogado Heitor Lima na Corte Suprema dos Estados Unidos
do Brasil no dia 3 de junho de 1936, além de artigos e reportagens publicadas.
1. AS PERSONAGENS: OLGA
BENÁRIO E LUÍS CARLOS PRESTES
Em 12 de fevereiro de 1908 nascia em Munique Olga Gutmann
Benário, filha de Eugénei Gutmann Benário e do advogado Leo Benário, advogado
conhecido na cidade e filiado ao Partido Social-Democrata. Eram judeus classe
média, e o pai sempre se dedicou às causas trabalhistas dos operários de
Munique, sendo mesmo homem generoso que
chegava a atender e patrocinar sem cobrar nenhuma quantia em dinheiro dos que
necessitavam de seus serviços, mas não dispunham de condições para remunerá-lo.
Desde tenra idade Olga (15 anos) passou a militar ferrenhamente no Movimento
Comunista Alemão, tendo em determinada fase da sua vida conhecido o jovem
professor comunista Otto Braun - sete anos mais velho - que lhe influenciou nos
estudos das obras do marxismo, e motivou sua saída da casa dos pais.
Naquela época, na Alemanha, agravam-se os
conflitos sociais, fazendo com que Olga e Otto passem a viver na
clandestinidade, lutando por seus ideias de sociedade justa e igualitária, cujo
modelo naquele momento personificado como sucesso era o adotado pela então
União Soviética. Em 1926 foram presos; Olga ficou detida por dois meses na
prisão de Moabit, ao passo que Otto permaneceu preso acusado de “alta traição à
pátria”. Entrementes, no ano de 1928, na manhã do dia 11 de abril, a jovem
judia de desígnios revolucionários lidera um grupo de militantes armados que
invadiram a prisão e de lá libertaram com êxito Otto, sem que qualquer um dos
protagonistas envolvidos tivesse sido detido. Tal ação voltou a ira das
autoridades alemãs contra a judia, o que fez com que essa na companhia do seu
então companheiro mudassem para Moscou, oportunidade em que se dedicou ao
estudo de outras línguas, bem como fez cursos para pilotar avião, saltar de para-quedas,
cavalgar, atirar com armas leves e pesadas, dedicando-se ao preparo físico para
futuras operações comunistas.
É impossível falar de Olga Gutmann sem
mencionar sua ligação a Luiz Carlos Prestes, responsável pela vinda ilegalmente
da judia alemã ao Brasil.
Luiz Carlos Prestes nasceu em Porto Alegre no dia 3
de janeiro de 1898 e faleceu no Rio de Janeiro no ano de 1990. Em entrevista
concedida no ano de 1982 no Rio de Janeiro, ao jornalista Edgard Carone,
afirmou ter iniciado seus estudos em escola militar por necessidades
familiares, e não por vocação inicial aos desígnios castrenses, uma vez que na academia
teria direito a casa, fardamento, comida, entre outras comodidades, o que
aliviava sua mãe de ter de manter todos esses gastos com a pequena pensão que
recebia. Ao final, Prestes tornou-se oficial e engenheiro, comandando poucos
anos depois o movimento nacional denominado “Coluna Prestes” (1924-1927),
formado na sua maioria por tenentes e capitães que combatiam a República Velha,
fazendo oposição ao governo do então presidente Artur Bernardes, com diversos
pleitos revolucionários, dentre eles o voto secreto e a defesa do ensino
público.
No ano de 1929, Carlos Prestes, residindo na
Argentina, ainda guardava esperanças de que os antigos camaradas tenentes, companheiros de longas datas lhe
acompanhariam na sua busca por seus ideais comunistas revolucionários, o que
motivava, além dos seus posicionamentos, também sua oposição ferrenha à
candidatura de Getúlio Vargas à Presidência do Brasil. Ainda no ano
retrocitado, recebeu em
Buenos Aires a visita de Paulo Lacerda e Basbão, que lhe
ofereceu a vaga do Partido Comunista à Presidência do Brasil, o que foi
recusado, em face da sua fidelidade aos amigos tenentes.
Carlos Prestes, mesmo morando na Argentina,
chegou a se dirigir ao Brasil e encontrar com Getulio Vargas e esse tentou de
todas as formas obter seu apoio, tenho inclusive lhe enviado, após o encontro,
a quantia de 800 (oitocentos) contos de réis, tendo o dinheiro sido doado por
Prestes ao Bureau do Secretário Latino-americano para a Internacional Comunista
como contribuição para a América Latina. Segundo Prestes, o dinheiro tinha a
clara intenção de lhe cooptar, o que não ocorreu, mas decidiu que não iria
devolver a soma recebida, uma vez que essa era proveniente de desvio de
dinheiro do povo brasileiro, tendo sido dada a destinação retrocitada.
Em 1931, influenciado por Trotsky, Luiz
Carlos Prestes embarcou no navio Eubée com destino final sendo Moscou, local em
que trabalhou como engenheiro. No ano de 1933, o nazista Hitler tomou posse na
Alemanha de Weimar, o que contribuiu para que Prestes decidisse voltar ao
Brasil clandestinamente, no ano de 1934, utilizando-se de documentos falsos,
uma vez que tudo deveria ocorrer à sorrelfa do governo ditatorial de Getúlio
Vargas, e no seus país Prestes teria como missão realizar a revolução comunista
local.
.
2. O ENCONTRO DAS
PERSONAGENS E SUAS IMPLICAÇÕES HISTÓRICAS
O destino cruzou a vida de Olga Benário e
Luis Carlos Prestes quando esses se conheceram na União Soviética e, após um
inicial simulacro de casamento, ela tinha a incumbência de zelar da higidez
física do líder político Prestes quando do seu retorno ao Brasil, uma vez que
sua prisão já estava, naquele momento, decretada pelo regime ditatorial
brasileiro, incumbência essa que lhe foi atribuída pela Internacional Comunista:
“Sua viagem com Prestes foi para ela mais uma tarefa a cumprir em prol da
revolução mundial, de acordo com o célebre apelo do Manifesto Comunista de Marx e Engels: ‘Proletários de todos os
países, uni-vos!’ [2]”.
“Uma militante com grande experiência de trabalho
clandestino veio comigo ao Brasil, era Olga. Nós casamos e ela veio comigo.” [3],
assim verberou Prestes, sendo que para chegar ao Brasil primeiro foram para os
Estados Unidos, depois Chile, Buenos Aires, Montevidéu, até chegarem em
Florianópolis, já no Brasil, de onde foram para São Paulo e finalmente o Rio de
Janeiro.
Entretanto, o que era para ser mais uma
missão de Olga em nome do comunismo, passa a ser o grande amor da sua vida. O
casamento que ocorreu no início, apenas de forma simulada, passa a ser
realidade e além de ser responsável pela segurança pessoal do líder comunista
brasileiro, também passa a ser o grande amor de sua vida, conforme se constata
nas várias cartas escritas pelo casal, cujo amor, vidas e trágica separação
tornaram-se históricas, não só pela certeza impoluta de objetivos, pela
truculência de ações como também pelo macabro final envolvendo os protagonistas
dessa história.
No ano de 1936, Prestes e Olga Benário são
presos na cidade do Rio de Janeiro e definitivamente separados, nunca mais se
viram desde a prisão, cuja vida e sofrimento individuais marcaram a história
dos Poderes constituídos da nação.
Segundo o escritor Fernando Morais, a real identidade da prisioneira Maria
Prestes, divulgada pela mídia de então, na verdade se tratava da judia alemã
Olga Gutmann Benário, procurada pela polícia alemã desde a época da invasão
armada da prisão de Moabit, de onde o grupo chefiado por Olga resgatou o
professor e preso alemão Otto, cuja acusação era de ser preso extremante
perigoso, acusado pelo Governo local de “alta traição à pátria”. Logo após o
resgate do então companheiro, várias recompensas foram oferecidas para quem
desse informações que levassem à prisão de Olga Benário, sendo que essa também
passou a ser acusada pelo mesmo crime, ou seja, “alta traição à pátria”.
Entretanto, para o alto escalão do Governo
Getúlio Vargas, a identidade real da esposa de Prestes foi facilmente
descoberta, uma vez que a polícia secreta nazista mantinha estreito
relacionamento com membros da embaixada brasileira e essa informou ao corpo
diplomático do Brasil na Alemanha a identidade real de Olga. O Embaixador
brasileiro na Alemanha, José Joaquim Moniz, em correspondência “confidencial”
repassou dados sigilosos da Gestapo ao Chanceler José Carlos de Marcedo Soares,
ou seja, a verdadeira identidade de Maria Prestes, que se afirmava brasileira
em seus interrogatórios ocorridos no Brasil no período em que foi presa, para
Vargas não era questão de dúvidas, ou seja, o regime ditatorial brasileiro
havia detido uma judia fugitiva alemã, Olga Gutmann Benário, que para os
alemães era foragida extremamente perigosa ao regime nazista implantado na
Europa pelo ditador Hitler, cujo repatriamento interessava tanto ao governo alemão,
bem como pessoalmente ao Presidente Getúlio Vargas, que tinha nesse pormenor
uma forma de malferir Carlos Prestes, retribuindo-lhe toda a oposição até então
feita com ideais comunistas ao então governo nacional e punindo-o por não ter
se tornado mais um dos aliados nas diversas vezes em que lhe havia sido
oferecida a oportunidade de unir forças aos objetivos totalitaristas de Vargas.
3. O “HABEAS CORPUS” EM FAVOR DE OLGA BENÁRIO
Em 3 de junho de 1936, quando Olga Benário
Prestes já estava grávida de quatro meses, o douto advogado Heitor Lima - após
receber a incumbência de fazer a defesa judicial de judia alemã - impetrou um
Habeas Corpus na Corte Suprema dos Estados Unidos do Brasil postulando pela
concessão da ordem. O Habeas Corpus n. 26.155 tinha uma particularidade muito
interessante, qual seja: o pedido do writ
não era para que Olga fosse colocada em liberdade, ao contrário, pois
postulava a concessão da ordem para a manutenção da sua prisão, objetivando que
continuasse presa e processa da no Brasil pelos crimes pelos quais estava sendo
acusada no Brasil e teriam motivado sua prisão em território nacional até
aquele momento, indo de encontro ao ato do Ministro da Justiça que determinava
sua expulsão, com a consequente entrega ao nazismo alemão.
Por ser historicamente relevante, passo a
transcrever literalmente trechos da petição inicial do Habeas Corpus 26.155,
mantendo a grafia da época:
O advogado Heitor Lima vem impetrar habeas-corpus a favor
de Maria Prestes, presa á disposição do sr. Ministro da Justiça para ser
expulsa do território nacional.
A paciente foi recolhida ha mezes á Casa de Detenção, onde ainda
continua na mais rigorosa incomunicabilidade, sob a acusação de que
participara, directa e indirectamente, nos graves acontecimentos de novembro
ultimo. A Ella attribuem-se graves actos e factos que, a serem verdadeiros,
determinariam necessariamente a sua condenação como autora intelectual e
cúmplice em vários delictos contra a ordem política e social.
Ora, dentro das nossas fronteiras a ninguém é livre fugir á acção
da soberania nacional, salvas as disposições dos tratados e as regras do
direito das gentes. A lei penal é applicavel a todos os individuos, sem
distincção de nacionalidade, que, em território brasileiro, praticaram factos
criminosos e puniveis. A União, sem duvida, expulsará os estrangeiros perigosos
á ordem publica ou nocivos aos interesses do paiz; mas não há –de a expulsão
assumir o caracter de burla às nossas leis penaes, nem terá o aspecto de premio
ao alienígena que, abusando da nossa hospitalidade, aqui delinque, e , repatriado, vae livremente viver onde quizer.
Se o estrangeiro, sem
infrigir determinada disposição de lei,exerce entretanto actividade nociva à
ordem publica ou à segurança nacional, tem o estado o direito de expulsal-o .
As mais desastrosas consequências adviram se a autoridade esperasse que o
forasteiro perigoso à ordem publica
delinqüisse , para só então contra elle proceder. A lei não diz os criminosos serão expulsos;
diz que serão processados e punidos. Mas o estado ver-se- ia impotentes para
prover a propria defesa, se não pudesse eliminar o estrangeiro não criminoso,
e entretanto nocivo aos interesses do paiz. De que modo se defende o Estado?
Recorrendo ao instituto da expulsão. O estrangeiro não delinqüente,mas nocivo, será arremessado além das fronteiras.
“Em que situação se encontra a paciente, e em face della o Estado?
Maria Prestes foi presa como delinqüente, indiciada em factos punidos
com grande rigor. A policia, ou o Ministerio da justiça, a que é subordinada,
não faz mysterio de que contra a paciente colligiu elementos de suma
importância, e tem como certa a sua condemnação. Se a policia não exagera,
também esta é a convicção do impetrante: Maria Prestes será condemnada por que autoridade? Pela
única investida das funcções de julgar:
a autoridade judiciária. Que pretende,
porém, o Ministério da Justiça? Dispõe
–se a remeter os autos do inquérito ao juízo competente? Não . pretendi dar à
paciente , como premio aos delictos que lhe atribue, a liberdade sob a forma de
expulsão.
Se a paciente fosse apenas um elemento nocivo, mas nuca
houvesse delinqüido, a expulsão já não
seria premio à agitadora, mas
acto de legitima defesa do Estado: não tendo base para condemnal-la, mas não
convindo ao interesse publico a sua permanência em território nacional, o
Estado eliminal-a –ia pela expulsão. O Governo, porém, afirma que a paciente é
co- autora intellectual e cúmplice em vários crimes, apurados em inquérito
rigoroso; não é licito, pois, subtrail-a ao gladioda justiça. Não pode a policia arreabatar aos tribunaes a
competenicia, que só elles têm, de julgar criminosos. No correr desta exposição
o impetrante explicará por que a paciente prefere viver condemnada no Brasil a
viver livre em qualquer outra parte do mundo.
Não há duvida, assim de que a Maria Prestes,
acusada de participação em graves delictos contra a ordem política e social,
está devendo contas à justiça punitiva. Não pode, pois, ser expulsa. Primeiro
irá a julgamento; se o remate do processo for a condemnação , cumprirá a pena.
Depois, se o executivo apurar que Ella, sem praticar novos criem, se terá
constituído em elemento nocivo à segurança nacional expulssal-a-à para sempre.
A paciente impetra
habeas-corpus, não para ser posta
em liberdade; não para neutralizar o constrangimento de qualquer processo; não
para fugir ao julgamento dos seus actos pelo judiciário: mas, ao contrario ,
impetra habeas- corpus para não ser ser posta em liberdade; para
continuar sujeita ao constrangimento do processo que contra Ella se prepara na
policia; para ser submetida a julgamento perante os tribunaes brasileiros. Em
suma: o habeas- corpus é
impetrado afim de que a paciente não seja expulsa.
Alem disso, a expulsão
teria ainda outra fase de illegalidade, que, nem por ser implícita, seria menos
estridente. O decreto de expulsão alludira apenas à paciente Maria Prestes; mas
realmente dois são os expulsandos, dois seriam os expulsos: Maria Prestes traz
no seio, com quatro mezes de gestação, o fruto do seu amor apaixonado,
tormentoso, inexhaurível e cego por Luiz Carlos Prestes.
Há um ente gerado no
Brasil, e que seria atingido iniquamente pelo decreto de expulsão. Apezar de
não ter ainda vindo à luz, nem assim essa vida em embryão escapa
aos cuidados e à protecção da lei. O nosso direito é nas suas linhas geraes o
romano, e a Roma, sempre que se tratava dos interesses do nascituro,
considerava-o como se já houvesse
nascido. A creança simplesmente concebida adquiria todos os direitos que lhe
tocariam se tivesse visto o dia no momento em que esse direitos lhe coubessem
por sorte (Mackldey, § 121).”
O direito nacional
manteve a tradicção romana. A personalidade civil do homem começa do nascimento
com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro
(Codigo Civil, art. 4º). Muitas são as situações em que o nascituro se
apresenta como pessoa, em nosso direito: apenas concebido, pode o filho ser
legitimado; o reconhecimento do filho pode dar-se no período da gestação; ao
nascituro pode ser deferida curatela; a pessoa apenas concebida pode adquirir
por testamento . por sua vez, a lei penal protege a pessoa desde a concepção; o
aborto, que é a expulsão prematura do feto, provocada com intenção criminosa em
qualquer época da vida uterina, constitue uma das especies do gênero homicidio,
punida com a pena de dois a seis annos
de prisão cellular. Mas se o feticidio é uma espécie do gênero
homicídio, segue-se a lei penal opera uma verdadeira antecipação da
personalidade, quando pune os provocadores de aborto.
Assim, tanto o Codigo
Civil como o Penal consideram em muitos casos o fructo da concepção como
pessoa, mesmo antes do parto. Relativamente a expulsão da mulher gestante, a
lei nada esclarece. Segue-se dahi que os tribunaes devam interpretar o silencio
da lei contra a acusada? A Constituição determina que o juiz, em caso de
omissão na lei, decidirá por analogia, pelos princípios geraes de direito, ou
por equidade.
Se a lei considera na
gestante duas pessoas distinctas, a mãe e o nascituro;se a Constituição estatue
que nenhuma pena passará da pessoa do delinquente ( art.113, nº 28); se a
expulsão é uma pena; se tal pena alcançará em seus effeitos o filho da
expulsanda, embora ainda não nascido: segue-se que o decreto de expulsão, além
de ferir o preceito constitucional protector da maternidade, offende ainda o
principio da personalidade da pena.
A existencia
jurídica da crença ainda nascida, affirmada no direito civil e epnal pátrio de
modo insophismavel, é argumento tirado principalmente do facto de dar a lei um
curador ao nascituro, na hypothese de fallecer o pae, e não ter mulher o patrio
poder. E claro que, se vivos estão pae e mãe, ou se morto o pae, a mãe conserva
o patrio poder, fala aquelle, ou fala esta, em nome do nascituro, para
protestar contra uma expulsão que o attingirá, como se um decreto penal pudesse
passar da pessoa do accusado.
Maria Prestes
sustenta que seu filho é brasileiro, foi concebido no Brasil, quer nascer e
viver no Brasil. Como brasileiro, tem direito de não ser expulso do Brasil. o
insigne Planiol ensina que “a personalidade antecipada reconhecida à creança
pode ainda produzir effeitos uteis quando se trata da aquisição de uma nova
nacionalidade” ( Dr.Ciy. I , nº 367). A paciente affirma a reaffirma que a
nacionalidade de seu filho é a brasileira. Se o decreto de expulsão o
attingisse, seria uma diminuição media de cabeça, uma pena applicada a quem não
cometteu crime.”
Em amparo da
paciente vem ainda a Carta Magna. A gestante é ahi objecto de extrema
solicitude. Nos termos do art.141, “é obrigatório, em todo
o território nacional, o amparo a maternidade e à infância, para o que a
União, os Estados e os Municipios destinarão um por cento das respectivas
rendas tributarias”. A expulsão neste período delicado para a vida da gestante
e do feto, a deslocação, sem destino certo, de uma mulher em tal situação,
reduzida ao extremo grau da pobreza, equivaleria ao mais efficaz concurso
para matal-a . O decreto de expulsão
contra Maria Prestes será a sentença de morte proferida ao mesmo tempo
contra a mãe e o filho. Mas não só no
Brasil não há pena de morte contra as mães, como até muito ao contrário, a Lei
primária, assimilando as máximas
conquistas da civilização, colloca sob a tutela do Estado à maternidade. Como
conciliar o texto constitucional,
expulsão, que equivaleria agora ao sacrifício da maternidade? Sobre todas deve
primar a lei que traduz um principio de humanidade.
“A paciente não quer
mais deixar o Brasil. Grandes revoluções Moraes operam-se no coração de Maria
Prestes. Dir-se-ia que, preparando-se para a maternidade, um novo mundo se
elabora dentro da sua alma e novos horizontes se rasgam às suas aspirações. O
modo como allude ao advento do ser que alimenta dentro de si com o próprio
sangue, e fará viver pelo amor, prenunicia radicaes transformações na sua
conduta futura. A maternidade vae mudar
completamente a sua concepção da existência, da sociedade e do universo.”
Quando Maria Prestes
fala no filho, os seus olhos ganham um brilho humido e amplo, e a sua belleza
desfeita, os traços prematuramente deformados pela fadiga, pelas lagrimas,
pelas privações e pela saudade parecem reflectir uma anciã infinita de paz;
alenta-a a suprema esperança de reintegrar-se no verdadeiro papel d a mulher, o
sonho de um lar tranquillo, no qual passa Ella afinal sentir que é uma força da creação, porque é uma força
cradora. Neste momento deve Maria Prestes
estar definitivamente convencida de que, fora do amor, da ternura e do
devotmento, nada vale a mulher.
“O Snr. Getulio
Vargas tem mostrado, como chefe do governo, surprehendentes defeitos.
Fallece-lhe a visão do conjuncto, reveladora do estadista, e o próprio sentido
das realidades manifesta-se nelle fragmentariamente. Aos panoramas totaes não
se accomodam as pupilas do seu espírito, que
maneja as parcellas sem chegar à soma. Entretanto , se não deve aspirar
ao titulo de homem de Estado, pode reivinidicar, como homem de governo, méritos
notáveis, que o collocam muito acima da mediania, da mediocridade, da chatice
política brasileira.
A especialidade do
Snr.Getulio Vargas é o dom de dispor e coordenar os detalhes. Seria preciso,
para isso, que elle jogasse com dois factores: o governo de si mesmo, e o
conhecimento dos homens. Ahi está, precisamente, o segredo do seu êxito,
mantendo-se no trapézio, em equilíbrio instável, quando todo o circulo já se
desmantelou. O que lhe falta em cultura sobre-lhe em inteligência, e a intuição
empresta-lhe todas as capacidades. Acerta menos por clarividência que por
instincto, e sabe com tamanha habilidade suscultar as cousas e esbater as
arestas, que a generosidade soffre as conseqüências dos seus erros sem
conseguir indentifical-os, taes as
nuances em que se adelgaçam, perceptíveis apenas pelos mais argutos, quer
dizer, por uma minoria reduzida.
O que, porém, o
recomenda ao respeito dos seus concidadãos, e, ao lado de uma probidade
modelar, o espírito de larga tolerância, o amor à liberdade, a coragem cívica e
o primor da sua conducta na vida privada. Observadores superficiaes têm-no
tachado de insensível, quando elle, pelo horror
à declamação, à emphase e aos gastos theatraes, nada faz senão
dominar-se, conservando sempre a elegância das atitudes, fácil nas phases tranquillas
da existência, mas difícil nos transes de dor o sobresalto.”
“No mais intimo dos
seus círculos, que é o da família, actua pela persuasão e pela brandura,
deixando a cada um o maximo possível de iniciativa, não se fazendo temer porque
sabe que na base da educação está o
afecto e não o terror, deixando que os espíritos se expandam no sentido das
vocações respectivas, preparando com
cuidado aquelles que delle directamente
dependem, e que deseja lançar à luta aptos para vencerem.
Com essas finas
qualidades de sentimento, está o impetrante certo de que, se o Snr. Getulio
Vargas tivesse conhecimento da situação de Maria Prestes no cárcere, ordenaria
providencias immediatas para que se modificasse o regimen deshumano a que está
submetida, sem qualquer vantagem para a ordem publica e a segurança nacional. A
impropriedade e a deficiência da alimentação; falta de cuidados hygienicos,
tanto mais indispensáveis quanto se trata de uma gestante; a intredicção de
qualquer leitura, seja livro ou jornal, o que constitue verdadeiro martyrio
para uma mulher de intelligencia cultivada – todas essas e outras mortificações
já reduziram doze kilos no peso de Maria Prestes. Não constituirá isso uma
criminosa provocação de aborto?
Não é crível que essas
monstruosidades correm por conta do Dr. Aloysio Neiva, director do estabelecimento.
Quem conhece o seu o seu coração compassivo não lhe fará a injuria de
responsabilizal-o por um aborto criminoso na casa de detenção. Quando, no
recesso do seu lar feliz, dispuzer de um minuto para pensar nas desditas
alheias, recorde-se o Dr. Aloysio Neiva de que, arrastada pela ambição dos
homens, instrumento de paixões masculinas, a poucos passos soffre uma mulher,
cuja vida se concentra hoje na vida do ser cujo coração já palpita no fundo do
seu ser, e que tem direito a um duplo respeito: o devido à mulher que vai ser
mãe, e o devido `a mais infeliz das mães. Como advogado de Maria Prestes, o
impetrante tinha de mencionar taes factos nesta petição.
....................................................................................................................
Se o habeas-corpus for concedido, que succederá? Presa e
incomunicavel continuará a paciente. Prosseguirá o inquerito no qual a policia
vê fortes elementos para a condemnação. O poder judiciario, tomando
conhecimento das provas que a policia affirma irrefragaveis contra a paciente,
condemnal-a-á. Ficará assim Maria Prestes reduzida á condição de nada fazer de
nocivo á ordem publica. Mas, embora presa e condemnada, muito poderá fazer de
útil, como esposa e mãe.
.....................................................................................................................
Requer, pois, o impetrante que esta Egregia Corte Suprema:
1° - Determine que o presente pedido se processe sem custas.
2° - Solicite do Snr. Ministro da Justiça informações sobre o
allegado neste requerimento, do qual se lhe remetterá copia.
3° - Requisite os autos do processo de expulsão.
4° - Ordene o comparecimento da paciente para a sessão de
julgamento.
5° - Faça submetter a paciente a uma perícia medica, no sentido de
precisar o seu estado de gravidez.
6° - Solicite que o Snr. Chefe de Policia informe se, no inquerito
a que, juntamente com Luiz Carlos
Prestes, responde a paciente, é Maria Prestes accusada de vários
delictos contra a ordem politica e social.
1° - Conceda afinal a ordem de habeas-corpus, afim de que a
paciente não seja expulsa do territorio nacional, sem prejuízo do processo ou
processos a que esteja respondendo ou venha a responder. Rio de Janeiro, 3 de
Junho de 1936. O advogado, Heitor Lima.” (petição inicial do habeas corpus
26.155, fls. 02/12)
Na petição inicial o douto advogado Heitor
Lima, justifica o não recolhimento das hoje nominadas custas processuais nos seguintes
termos:
A presente petição não vae sellada, nem devidamente instruída, porque a
paciente se encontra absolutamente desprovida de recursos. O vestido que traz
hoje é o mesmo que usava quando foi presa; e o pouco dinheiro, os valores e as
roupas que a policia apprehendeu na sua residencia até hoje não lhe foram
restituídos... ... 2° - Determine que o presente pedido se processe sem custas.
”
O então Ministro Relator, no rosto da
primeira página da petição inicial, a mão despachou: “Pague o selo devido e
volte, querendo.”
Advogado extremamente preparado, que além de
tudo demonstrava conhecimento jurídico e polidez no trato profissional e diante
do estado de miserabilidade da paciente Olga Benário e as implicações jurídicas
que o não pagamento do “selo” traria para a pretensão da paciente, mesmo que
remota a possibilidade de concessão da ordem, Heitor Limia, em 4 de junho de
1936, antecipando-se ao legado de vergonha que às gerações futuras sofreriam
com as consequências do não cumprimento daquela ordem judicial, além do dano à
própria história do Poder Judiciário do Brasil, peticionou nos autos, cuja
indignação é subliminar, a título de “RÉPLICA”, momento em que verberou de
forma firme:
“Se a justiça masculina, mesmo quando exercida por uma consciência
do mais fino quilate, como o insigne presidente da Côrte Suprema, tolhe a
defesa a uma encarcerada sem recursos, não há de a história da civilização
brasileira recolher em seus annaes judiciários o registro desta nodôa; a
condennação de uma mulher, sem que a seu favor se elevasse a voz de um homem no
Palacio da Lei. O impetrante satisfará as despesas do precesso. Rio de Janeiro,
4 de junho de 1936. Heitor Lima.” (fls. 13 do HC n. 26.155)
3.1 Do direito à vida e
sua proteção constitucional
Antes de se continuar, é necessário tecer
alguns comentários sobre o direito à vida, considerado direito fundamental de
primeira geração pela Constituição Federal de 1988. Como se percebe a busca ao
Poder Judiciário no caso em análise se deu em 1936. Portanto já numa fase
posterior ao surgimento positivado de direitos fundamentais, com vida e
liberdade, uma vez que o direito à vida apareceu positivado em 1215 na
Inglaterra, com a promulgação da Magna Charta Libertatum, em que o Poder do
Soberano sofreu severas limitações, servindo de exemplo para as gerações e
constituições futuras, instituindo-se que há direitos humanos inerentes à
dignidade e respeito ao ser humano que devem ser inexoravelmente preservados, e
que estes devem ser respeitados por todos, súditos ou soberanos.
Some-se a isso a Revolução Francesa de 1789
em que novamente o poder do Soberano sofre diversas limitações, novamente com
realce à garantia e respeito a direitos humanos.
Por fim não se pode deixar de falar na função
criadora hermenêutica do Poder Judiciário materializada também no emblemático
caso de atuação da Corte Suprema americana, em 1803, no julgamento do caso
Marbury x Madison, e valeu-se de
interpretação inovadora, marcando sua atuação firme e cônscia de realmente ser
efetivamente Poder ao qual todos estão sujeitos, servindo de legado para
gerações jurídicas futuras, uma vez que no julgamento retrocitado restou
consignada a Supremacia da Constituição sobre os demais Poderes do Estado, bem
como que a prerrogativa de interpretar a Carta Magna compete ao Poder
Judiciário, e a este caberá dizer no caso concreto o que está ou não em
sintonia com Lei maior[4].
3.2 O resultado do habeas corpus de Olga Benário
Enfim, voltando ao Caso Olga Benário, a
Suprema Corte brasileira, ao analisar o caso no dia 17 de junho de 1936, por
maioria de votos, não conheceu do Habeas Corpus n. 26.155, impetrado pelo
advogado Heitor Lima em favor de Olga Benário Prestes. Dois Ministros (Carlos
Maximiliano e Eduardo Espínola) votaram pelo conhecimento, mas denegação da ordem.
O acórdão retrocitado, ficou decidido nos
seguintes termos:
A Corte Suprema, indeferindo não somente a requisição dos autos do
respectivo processo administrativo, como também o comparecimento da paciente e
bem assim a perícia médica a fim de constatar o seu alegado estado de gravidez,
e atendendo a que a mesma paciente é estrangeira e a sua permanência no país
compromete a segurança nacional, conforme de depreende das informações
prestadas pelo Exmo. Sr. Ministro da Justiça.
Atendendo que em tais casos não há como invocar a garantia
constitucional do habeas corpus, à vista do disposto no art. 2 do Decreto n.
702, de 21 de março deste ano:
Acordam por maioria, não tomar conhecimento do pedido. Custas pelo
impetrante.”
A decisão da Corte Suprema no caso Olga
Benário Prestes significou, não obstante a todos os judiciosos argumentos,
protetores da vida e dignidade humana, utilizados pelo advogado Heitor Lima,
quer quanto ao estado avançado de gravidez ou quanto ao risco de morte, tanto
da impetrante quanto do filho que esperava, repita-se numa verdadeira violação
à dignidade humana, uma vez que ao não conhecerem do habeas corpus, a Corte se omitiu na proteção do maior bem humano
que é a vida, cedendo aos desígnios espúrios de Vargas que, vingando-se do opositor
Carlos Prestes, expulsou Olga Benário do Brasil e o Poder Judiciário, pelos
seus Ministros integrantes da época, assinaram uma verdadeira sentença de
morte.
Quando da impetração do Habeas Corpus, 3 de
junho de 1936, Olga Benário Prestes já estava no quarto mês de gestação.
Temendo que ela fosse resgatada de um navio que transportasse passageiros e
fizesse parada em qualquer outro porto diverso dos alemães, como já havia
ocorrido em outros casos, o que frustraria a intenção macabra de Vargas, a
expulsão de Olga se prorrogava por meses, mesmo estando sepultadas todas suas
esperanças de ver seu direito à vida ou dignidade quanto à sua gestação serem
garantidos pelo Poder Judiciário da época.
O advogado Heitor Lima, chegou a escrever uma
carta à esposa de Getúlio Vargas, na esperança de sensibilizá-la para as
condições de Olga Benário, mas nada surtiu efeito, uma vez que não houve
qualquer resposta.
A macabra
vingança de Getúlio Vargas, coordenada de perto pelo capitão Filinto Muller
começou a se executar no dia 23 de setembro, quando Olga Benário já estava no
sétimo mês de gravidez, posto que nesse dia o Navio La Coruña atracaria no porto
com única finalidade, levar nos seus porões, visto de tratar de navio
cargueiro, o “presente” de Getúlio Vargas à Hitler, ou seja, Olga Prestes.
A situação da gravidez de Olga era algo
preocupante, aos olhos do homem normal, ao ponto que “quando foi informado de
que a gravidez de Olga estava adiantada, o capitão do navio invocou as leis
internacionais de navegação, que não permitiam a viagem de uma mulher naquele
estado. Ainda assim, viu-se obrigado a levá-la. A deportação de Olga foi um ato
de vingança pessoal de Vargas e de seu chefe de polícia, Filinto Muller, contra um adversário político”. [5]
Ao que tudo indica, já era de conhecimento
público a condição de Olga Prestes ser comunista e judia e que a pena de morte
seria algo inevitável ao ser entregue ao governo nazista de Hitler, o escritor
Fernando Morais, em seu livro Olga, ao escrever sobre o momento exato em que a
prisioneira estava retirada da prisão para ser levada para o embarque no Navio La Coruña, e as várias
manifestações que ocorreram na prisão no momento em que os policiais disseram
para que Olga os acompanhasse, sob o dissimulado argumento de que essa seria levada
para uma maternidade com melhores condições de acompanhar seu avançado estado
de gravidez, todos os presos se revoltaram, protestaram, gritaram, atiram
pedaços de sapatos nos policiais, gritaram palavras de ordem, mesmo sendo
conscientes de que em nada adiantaria, pois no fundo todos eles sabiam que
naquele momento começaria a execução da pena de morte imposta a alemã e judia.
“Um único preso não participada daquilo. Encolhido sobre a cama, acendendo um
cigarro no resto do anterior, Graciliano Ramos parecia que iria mesmo
enlouquecer. Olhando fixo para o chão, com a cabeça presa entre as mãos, ele
repetia, paralisado, com a voz quase inaudível no meio daquele inferno: Não é
verdade que queiram fazer isto... Para a Alemanha de Hitler? Ela é judia... Ela
está grávida... O Brasil não pode fazer isso com ela... [6]”
Já na Alemanha, em novembro de 1936, Olga
Benário deu a luz de sua filha Anita Leocádia, na prisão de Barnimstrasse,
sendo que a criança ficou na sua companhia até os 14 meses de idade. Em abril
de 1942, junto com outras prisioneiras marcadas para a morte, Olga foi
transferida para o campo de concentração de Bernburg[7],
local em que morreu como milhares de outros judeus vítimas do sentimento atroz
do mendaz Hitler, cujos ideais a sociedade mundial repudiará por todos os
tempos.
Graças a movimentação feita pela avó materna
da criança, Leocádia Prestes, várias delegações estrangeiras pressionaram a
Gestapo, polícia do Regime nazista de Hitler, obtendo como resultado a vida da
neta, Anita Leocádia que, por ser filha de Carlos Prestes, um brasileiro,
posteriormente lhe foi entregue com vida pelos alemães.
Sobre o fim trágico de Olga Bernardes
Prestes, Jô Moraes resume o assunto nos seguintes termos: “A consciência
brasileira jamais perdoará o que o governo Vargas fez com Olga grávida e com
Elise, entregando-as à Gestapo para morrer.
[8]”
CONCLUSÃO
Conclui-se que a “Côrte Suprema da República
Federativa do Brasil” de 1936, poderia ter entrado para história de todas as
nações, tornando-se à época um referencial de senso de justiça, consciência da
sua importância enquanto mais alta cúpula do Poder Judiciário nacional e
protetora vigilante dos direitos da pessoa humana, impedindo a morte de Olga
Benário Prestes, ou, na pior das hipóteses, garantindo-se dignidade humana a
uma mulher grávida de um brasileiro, o Capitão Carlos Prestes, que aos sete
meses de gravidez foi embarcada, com morte certa e predestinada, a um campo de
concentração nazista, em um porão insalubre de um navio cargueiro, mas não o
fez.
Faltou aos Ministros que compunham a Corte na
época do julgamento do Habeas Corpus a coragem e compromisso com a efetivação
de direitos humanos fundamentais de primeira geração já positivados em 1215 na
Magna Cartha Libertatum, postura essa belicosamente ostentada por muitos outros
Ministros do Supremo que os sucederam.
Faltou-lhes ainda a coragem tida pelos
Ministros da Suprema Corte Americana quando do Julgamento do caso Marbury x Madison.
Em um ou outro dos casos retrocitados (Olga
Benário e Marbury x Madison), ambas as Cortes Supremas escreveram seus nomes na
história por conta das decisões proferidas naquele momento histórico; a Corte
Americana, revelou-se inovadora e preocupada com os casos judiciais e garantias
fundamentais aos seus jurisdicionados, sendo, portanto marco do surgimento do
controle de constitucionalidade, ao passo que a Corte Suprema do Brasil, em
1936, presida pelo então Ministro Edmundo Lins, com a postura não independente
e omissa adotada por suas excelências quando do julgamento do HC. 26.155,
avalizaram a pena de morte e reduziram a dignidade humana de uma mulher grávida
de 4 meses, chancelando-se assim uma vingança pessoal de Getúlio Vargas e do
Chefe de Polícia Filinto Müller, manchando para sempre a história daquela Corte,
conforme afirmação feita em 1998 pelo então Presidente do STF, Ministro Celso
de Melo.
Ao mesmo tempo entraram para história, conspurcando
para sempre a memória do hoje denominado Supremo Tribunal Federal, cuja mudança
de comportamento e brilhantismo dos vários Ministros que compuseram e compõem
atualmente o Excelso Pretório e se revelaram verdadeiros guardiões dos direitos
fundamentais, não serão suficientes para apagarem a mácula causada na memória
do Tribunal, quando do julgamento, bem como dos resultados da decisão proferida
no fatídico dia 17 de junho de 1936.
A conclusão a que se chega, é que o douto
advogado Heitor Lima já previa o que se sucederia ao afirmar que: “Se a justiça masculina, mesmo quando
exercida por uma consciência do mais fino quilate, como o insigne presidente da
Côrte Suprema, tolhe a defesa a uma encarcerada sem recursos, não há de a
história da civilização brasileira recolher em seus annaes judiciários o
registro desta nodôa; a condennação de uma mulher, sem que a seu favor se
elevasse a voz de um homem no Palacio da Lei”.
BIBLIOGRAFIA
LIMA, João Gabriel.
Memórias do Cárcere. Veja. São Paulo:
Abril, 2001. Ano 34, n° 6,
MELLO, Celso de. Caso de
Olga Benário é uma mancha no passado. O Estado de S. Paulo, São Paulo,
p. A-12, 8 mar.1998.
MORAES,
Alexandre. Direito Constitucional.
São Paulo: Atlas, 2002.
MORAIS,
Fernando. Olga. 13. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
Olga:
revolucionária, sem perder a ternura. Princípios. n. 75 São Paulo, 2004.
PRESTES,
Luís Carlos. Entrevista a Edgard Carone. Novos
Rumos. Ano 15, n. 33. 2000, p.
23.
[1] Informações
extraídas de “Caso de Olga Benário é uma mancha no passado”. In: Jornal
Estado de São Paulo, São Paulo, p. A 12, 8 de Março de 1998.
[2] Informações
extraídas de “Olga: revolucionária, sem perder a ternura”. In: Revista
Princípios, São Paulo, p. 69.
[3] Informações
extraídas de “Luís Carlos Prestes - em entrevista a Edgard Carone”. In: Revista
Novos Rumos. Ano 15, n° 33 - 2000, p. 23.
[5] Informações
extraídas de “Memórias do Cárcere” - em matéria de “João Gabriel de Lima”. In: Revista
Veja. Ano 34, n° 6 - 2001, p. 114.
[6] Cf. MORAES, Fernando. Olga - A vida
de Olga Benário Prestes, judia comunista entregue a Hitler pelo governo Vargas.
São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p.178.
[7] Informações
extraídas de “Olga: revolucionária, sem perder a ternura” - em matéria de
“Anita Leocádia Prestes”. In: Revista Princípios. 75/2004, p. 71.
[8] Informações
extraídas de “Olga: revolucionária, sem perder a ternura” - em matéria de “Jô
Moraes”. In: Revista Princípios. 75/2004, p. 76.
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